terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Last blues in Paris.


Depois de muitos anos perdidos e encontrados, depois de muitos sacrifícios e poucos ganhos que a vida lhe proporcionara – ou deixou de proporcionar – o momento que a conduzia ao começo ou ao fim de sua vida finalmente havia chegado. Seus dedos deslizavam sobre a borda de seu copo quase sem mais uísque enquanto seus olhos fechados mantinham sua mente deliciando a agradável voz que cantava no palco à sua frente quando uma mão pousou sobre seu ombro.

– Srta. Juno? – disse o maître. – Perdão, mas seu acompanhante acaba de chegar.
– Creio que ela não necessita adivinhar quem sou, não é mesmo? – disse o homem, surgindo atrás do gentil funcionário.
– Obrigada, George – agradeceu Juno ao bom empregado do restaurante.
– Por que você quis me encontrar neste restaurante tão velho e nostálgico? – reclamou o homem. – Você sabe que detesto esse tipo de lugar. Está me escutando?
– Sim  –  falou Juno, escapando de mais um devaneio. 
– Garçom – estendeu ele a mão, para ser servido. – Mais um uísque puro para a senhorita e um uísque duplo para mim. O mais rápido possível. Juno – prosseguiu, voltando seu foco para a moça. – Eu não tenho muito tempo. O que você quer?
– Você quer dançar? – perguntou ela.
– Não. Diga logo o que quer, e não esqueça que amanhã temos que ir à festa dos meus pais. E que vestido é esse que está usando? Verde? Você nem ao menos gosta da cor verde. Posso considerá-lo no mínimo impróprio.
– Há quanto tempo estamos juntos?
– Desde que éramos adolescentes, obviamente. Você sabe disto, Juno.
– Estão cantando The Doors. Vamos dançar, você adora Jim Morrison.
– Juno.
– Eu amei você durante toda a minha vida, e tenho certeza de que vou amar até meu último suspiro. E é por isso que comprei uma passagem para fora de Paris, com data para amanhã. 
– O quê você quer dizer? – o moço parecia demasiadamente confuso.
– Eu estou dizendo adeus, querido. 

Seguindo o término da música do cantor sessentista, a conversa dos dois entraram num profundo estado de silêncio mútuo. O homem tomou o resto de uísque que havia em seu copo e deu um breve e desacreditado riso. 

– Eu fui tão mal assim?
– Você foi você. – disse ela. – E eu não ousaria pedir que você fosse diferente. Eu não posso fazer isso, nunca pude. Só você. Você que deixou de ser o menino que me amava e virou alguém que não conheço mais. Não posso passar o resto da minha vida esperando que você cresça. Eu te amo, mas não suporto quem você se tornou. Pessoas mudam, apenas isso.      
– Não seja tola – disse ele, deslizando seus dedos pelo pulso dela até a palma de sua mão. – Não vou desistir de você, Juno.
–  Sei que não vai. E sei também que isso não será o fim de mundo para você. Pra nenhum de nós. É só um caminho alternativo. 
– Reconheço este lugar – disse ele, como se fosse atingido por uma lembrança extremamente vívida. – Nosso baile de formatura do colegial foi aqui, não foi?
– Sim  –  sorriu Juno. – Por isso quis vir aqui. A primeira vez que dançamos juntos foi neste salão.

Assim como o destino lhe unira muitos anos atrás, agora os separaria. Os últimos passos dados naquele chão seriam a única prova e marca que vossa junção deixaria no mundo, além de todas as lembranças guardadas dentro deles mesmos. Talvez se vissem daqui há alguns anos, ambos casados com pessoas avulsas e talvez não se vissem nunca mais. Um campo inteiro de possibilidades e de coisas impossíveis que não passavam de mera rotina para eles. 

– Dança comigo? – perguntou ele.
– Sempre.

Uma suave voz feminina começou a cantar e todos os outros corpos no salão pareceram desaparecer. Remember me, don't ever forget me child... We all are only here...

– Eu fiz você feliz?
– Sempre, querido. 
– Há algo mais?
– Há tanta coisa que eu queria dizer, tanta coisa... Mas não importa. Não mais. 

Yes, I did know you were tired and you want to be free... I need someone to stand just right by me...

– Não se vá, Juno. Faço qualquer coisa.
– Você precisa tanto deste afastamento quanto eu. Tudo ficará bem, querido. Tudo ficará bem. Você e eu, sempre ficaremos bem.

Juno entrelaçou seus braços no pescoço dele e sentiu pela última vez o cheiro que sempre foi o seu favorito. Odiava tanto a partida, precisava tanto da partida. Eles eram almas perdidas que se encontraram com a missão de salvar um ao outro, e assim fizeram. Um mais do que o outro, talvez, mas com igual importância. I need your love, I need you to walk all day and all night... Remember me, don't ever forget me child...

– Obrigado, por tudo. –  disse ele.
– Sempre vou lembrar de você ao ver Lynx no céu.
– Está na hora.
– Eu sei.
– Eu vou te amar para sempre.
– Eu sei.
– Tchau, Juno.
– Diga adeus. 
– Adeus.
– Lembre-se de mim, querido. Lembre-se de mim.
– Você e eu somos para sempre, Juno. 

Por que ambos sabiam que haveria uma dança a mais esperando por eles em algum lugar do tempo e espaço, mais uma vez, só mais uma vez até o infinito. 

Música do (e que é citada no) post: Remember Me - Cat Power

4 comentários:

  1. Não tenho palavras pra descrever esse texto... lindo! perfeito!

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  2. "Eu te amo, mas não suporto quem você se tornou."

    É ISSO! Basicamente isso!
    As pessoas vão mudando, às vezes se tornam irreconhecíveis, mas a gente não deixa de amar. Nunca. E está sempre disposto a mais uma dança.

    Gosto muito do tom dos teus textos, dessas despedidas que nunca são despedidas, mas apenas pausas.

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