domingo, 30 de janeiro de 2011

Dog problems.


Por volta dos cinco, seis anos, a maioria das crianças ganham um animal de estimação. Pode ser um gato, um coelho, mas geralmente é um cachorro. Você ganha ele ainda filhote e dá tudo o que ele precisa: um nome, comida, bebida e um lar. No começo, você não era tão familiarizado assim com ter que cuidar de alguma coisa, mas com o tempo aquele bichinho que chegou de repente na sua vida se torna o teu melhor amigo. Todos os dias quando você chegava da escola, ele estava lá para te receber com o rabinho abanando e a língua pra fora. À medida que ele crescia, começava a fazer coisas inadequadas: puxar o tapete, latir para as visitas, fazer xixi em qualquer canto, não fazer o que você pede. Contudo, você continua com o mesmo amor de sempre. Porque o amor é isso: mesmo com todos os defeitos do outro, amar do mesmo modo e sempre e sempre. A gente aprende a conviver com uma porção de coisas que na verdade não nos agradam, mas que são parte que constroem as pessoas que amamos. Tu conhece uma pessoa, se apaixona por ela e começa a saber o que finalmente é um ser humano: um mistura de Yin e Yang. Ainda creio que o amor, não só entre um homem e uma mulher, é a única coisa que supera essas rachaduras, esses defeitos de fábrica que já existem em nós quando pousamos neste mundo. Você pode passar uma semana, um mês sem ir para casa, mas quando você chegar no portão seu cachorro estará lá balançando o rabo e lambendo a sua cara como se você nunca tivesse o abandonado. A gente perdoa essas pequenas coisas porque o que permanece de verdade é muito maior do que isso. Todo dia é uma nova batalha interna e externa contra os outros e nós mesmos. O que ainda continua quando o sol se põe é o que realmente importa.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Where everything's nothing, without you.

"O moço quer me fazer feliz. Veja se pode."
Tati Bernardi


Ana, Ana, Ana. Adorava repetir seu nome, talvez simples e puramente porque era um modo de senti-la mais perto. Não a via desde outubro passado, já estavam em maio. Doía a ausência dela por todos os lados da casa. E doía ainda mais a cada lembrança que parecia criar vida toda vez que seu pensamento desviava-se para Ana. Queria poder ter lhe dito tantas coisas, tanto medo guardado, tanta ânsia de ser mais livre, de ser mais, sempre mais quando estava com ela. Queria poder ter sido espectador da cena em que Ana saía pela porta. Poder ter visto pela última vez seus cabelos negros caídos sobre o rosto e o modo como ela movia as mãos de um jeito completamente único enquanto andava. E quando o som da porta batendo invadiu seus ouvidos, foi que descobriu que não seria capaz de viver sem ela. Já faz muito tempo, pensou. Ana já deve estar com outra pessoa. Mas Ana nunca o esquecera. Dias, meses se passaram e mesmo com o coração partido, Ana ainda pensava nele todas as noites. Tentou até sair com outros caras, mas todos eram parecidos demais com ele para dar certo. O mundo parecia ter se tornado O Mundo Dele. E então, naquele dia nublado de fim de maio, Ana bateu novamente à sua porta. Sempre achara que ela poderia ir a todos os lugares do mundo, conhecer todas as pessoas destes lugares e ainda assim voltaria pra ele. Torcia mentalmente enquanto punha seus pés para dentro do quarto, a porta estava destrancada, para que ele ainda estivesse disposto a tentar de novo. Meu Deus, eu não devia estar aqui, pensava Ana. Encontrou o apartamento vazio. Depois de tanto tempo, viu-se parada no meio da sala de estar dele e sentiu-se perdedora do jogo pela segunda vez. Respirou fundo, pegou tudo que era seu e saiu pela porta. Estava no terceiro andar. O botão do elevador acendeu e Ana entrou. Ele estava parado ao fundo, fitando o chão e com as mãos dentro dos bolsos da calça. Foi a visão mais linda que ele já teve de Ana. Ali, parada na porta do elevador, com uma caixa pequena na mão. Seus cabelos negros, seu cheiro. Tudo era real. Ana estava ali. Ela permaneceu do outro lado do elevador enquanto a porta se fechava. Não a perderia de novo. Ele apertou um botão e o elevador parou de andar. Não soube dizer por quanto tempo permaneceram em silêncio. 

- Eu sinto muito, Ana. Volta. Volta pra mim. Eu te amo. 
- As chaves reserva estão debaixo do tapete.

Não a perderia de novo. Repetia isso mentalmente quantas vezes fossem necessárias para que suas ondas mentais conseguissem finalmente fazer Ana voltar para ele. Ana, a mulher da sua vida. A única pessoa que amou de verdade na vida. Tirou uma das mãos do bolso e pôs sobre a caixa que Ana carregava uma miniatura da Torre Eiffel que ela tanto adorava, com algo gravado nela, algo como "love is beautiful, love is you", leu isso em algum lugar e achou bonito, e um anel preso no topo da miniatura. Todas as cartas estavam na mesa, ela só precisava ganhar o jogo. Ana, que antes fitava a porta do elevador, voltou-se para ele. Sabia que se não fosse feliz com ele, não seria com mais ninguém. Dois gênios ruins completavam-se num espaço infinito. Esticou sua mão para ele e não disse mais nada. Nada mais precisava ser dito. Não pareceria nada demais aos olhos dos outros, mas para eles ali era todo o mundo.

Música do post: Last Kiss - Pearl Jam

sábado, 15 de janeiro de 2011

Pelo menos de vez em quando.

Para Victor Delmas, meu futuro marido em 2020.

"Faz muito tempo que você não vem, sei do tempo que você não vem porque guardei no meio das minhas roupas um pedaço daquela maçã que você me trouxe da última vez, e aquele pedaço escureceu, ficou com cheiro ruim, encheu de bichos, até que eles me obrigaram a jogar fora. Acho que os pedaços da maçã só se enchem de bichos depois de muito tempo, não sei. Parei um pouco de escrever, roí as unhas, preciso roer as unhas porque eles não me deixam fumar, reli o começo da carta, mas não consegui entender direito o que eu pretendia dizer, sei que pretendia dizer alguma coisa muito especial a você, alguma coisa que faria você largar tudo e vir correndo me ver ou telefonar e, se fosse preciso, trazer a polícia aqui para obrigá-los a deixarem você me ver. Eu sei que você quer me ver. Eu sei que você fica os dias inteiros caminhando atrás daqueles muros brancos esperando eu aparecer. Eles não deixam, acho que você sabe que eles não deixam. Não vão deixar nem esta carta chegar às suas mãos, ou vão escrever outra dizendo que eu não gosto de você, que eu não preciso de você. Mas é mentira, você tem que saber que é mentira, acho que era isso que eu queria dizer preciso escrever depressa antes que eu me esqueça do que eu queria dizer era isso eu preciso muito muito de você eu quero muito muito você aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando você nem precisa trazer maçãs nem perguntar se estou melhor você não precisa trazer nada só você mesmo você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro ou do outro lado."

Caio Fernando Abreu                                

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Things I hate about you.

"O meu coração já não me pertence, já não quer mais me obedecer. Parece agora estar tão cansado quanto eu." 
Maurício - Legião Urbana


Eu te odeio. Você nem sabe o quanto. Você nem imagina o quanto eu te odeio por me fazer precisar tanto desse teu cheiro. Como se você fosse a areia e eu fosse o mar que nunca pudessem ficar longe um do outro. Eternamente presos um ao outro. Eu odeio o jeito como eu pareço idiota quando você desaparece e me deixa aqui sozinha. Odeio sentir sua falta e principalmente o modo como parece não se importar com isso. O que diabos eu te fiz? Foi tudo "coisa de momento" e não teve importância? Só diga algo, pelo amor de deus e me deixe seguir em frente. Eu estava seguindo em frente, e então veio você. Veio e foi. Foi e veio. E nessa inconstância que tenho que acompanhar e que me esmaga a cada vez que meus pés tocam o chão de manhã. Eu quero te machucar. Te fazer sentir tudo que venho sentindo nos últimos meses. Dizer "vai, senta aí nessa tábua de pregos sem almofada nenhuma e tu verás o que eu sinto cada vez que você parte". Nos últimos tempos eu tenho mais te odiado do que te amado, embora que você pareça achar isso divertido. Apesar de tudo, você ainda é a primeira pessoa em quem eu penso quando me perguntam sobre amor. Todo esse jeito de menino, tão cheio de elogios pra mim, risada presa na minha mente, tão simples, tão mentiroso. É tanto ódio e amor ao mesmo tempo que eu te jogaria de um precipício e segundos depois pularia com uma corda pra te salvar. Eu nunca planejei isso. O negócio é que eu estou cansada de te esperar. Ou fica ou vai embora de vez, droga. Eu estou cansada de escrever palavras pra você negar. De perder tudo o que eu tinha pra te deixar ir embora. Já não sei dizer se ainda sei suportar. Ou se preciso.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Love will tear us apart.

"Queria te mostrar como é violento você existir."
Rubem Braga - A Traição das Elegantes


Mesmo depois de tudo, eu ainda sou aquela que volta. Não importa o quão minhas mãos estejam machucadas de carregar tantas cartas, eu ainda sou a que te espera na varanda de casa com um bolo de brigadeiro nas mãos. Sou a que inventa mil teorias e mil conversas que nós teremos no chão da sala de estar. Sou a que sempre está aqui. Eu estive perdida durante muito tempo, um tempo muito longo. E neste exato momento, eu só queria que as cartas que aqui chegam não fossem pra mim. Tenho estado tão feliz, tão livre das coisas que me prendiam, embora que aqueles velhos medos tenham permanecido. E quanto mais eu te pergunto, mais pareço estar falando com as paredes. É uma pergunta simples: quando você vai ficar aqui, para todo o sempre, comigo? Sei que ninguém tem o direito de invadir a vida de uma pessoa desse jeito. Entretanto, tudo o que tenho a te oferecer agora é a minha perseverança nessa coisa, nesse nós que continua rachando por todos os lados. E mesmo que acabemos com todos os pedaços do que sobrou de nós nas mãos, mesmo assim, mesmo assim, eu vou te amar com todos os pedaços que restaram do meu coração. Talvez seja pouco, talvez seja nada. Mas é a melhor coisa que eu posso fazer por nós agora, por mim. Era tudo tão mais bonito quando a gente não se prendia, não é? Você vai voltar? É tão simples ainda continuar aqui, pura e simplesmente com acomodação... Sabe quando você acorda de um pesadelo no meio da noite e se sente aliviado porque tudo aquilo não passava de imaginação? É a mesma sensação de quando você volta. E eu estou sempre esperando você voltar. Sempre acabo enrolando demais pra te dizer coisas simples que talvez poucas palavras bastassem para dizer tudo. Mas só o que vem de você são palavras. Milhares delas, percorrendo os fios de energia e cortando meus dedos feito papel de carta. Tudo bem, eu já decidi: está na hora de ir pra casa, agora. Já arrisquei tudo o que eu tinha, já dei mais do que eu tinha, já deixei você estar nos lugares mais bonitos desse meu tão cansado e calejado coração. Hasta.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

I swam across, I jumped across for you.

"Há muito mais que eu queria dizer, muito mais. Mas eu desapareci."
Meredith Grey, Grey's Anatomy, episódio 16, 3ª temporada. 


Muitos fogos. Muitas pessoas. Eu podia sentir a areia esfoliar meus pés e a cada vez que eu afundava-os a sensação de que estava sendo tragada para dentro dos seus sonhos era cada vez mais forte. Menina, menina. Era tudo mentira? Até hoje eu realmente não sei. Eu sempre escolhi o jeito mais fácil. Talvez porque se fosse deste jeito, eu me machucaria menos. Mais dói do mesmo jeito. Dói de uma forma que me faz querer rir e chorar sem hora marcada, sem ombro pra encostar, sem sinos pra tocar e se incorporar às minhas lágrimas. Mas não hoje. Eu sinto cheiro de mar. Mar, amar. A-mar. Ou mesmo se afogar, deixar meu corpo livre rumando ao infinito. Ser finalmente, livre. E descobrir que todos os caminhos me levam até você. Porque você é de verdade. Quase feito de barro, numa mistura de sonhos e sorrisos inesperados ao pensar em você. Você gritaria "sua louca, saia daí, você não sabe nadar" e então viria e me puxaria pela cintura como sempre, como desde antes nosso nascimento. Eles não nos descobririam. Você me esconderia dentro dos teus braços  para sempre. Eu sinto muito sobre a ligação, nunca quis que você tivesse que juntar todos os pedaços desse jeito. E então o vento que toca minha pele não parece mais parte de você. As coisas que me foram tiradas estão na mesma proporção das que deixei pelo caminho. As coisas são como são, mesmo que você bata o pé e diga que não é desse jeito. Eu te amei desde aquele setembro, antes e depois de tudo. Eu entro no mar mesmo que você não peça pra eu voltar. Somos como partes de um quebra cabeça perdido no fim do universo, uma porção de coisas que não precisa de explicação pra continuar existindo.