domingo, 14 de agosto de 2016

The Depression Diaries, nº 56 - Depois de mim, o dilúvio

Eu sinto que meu tempo tá acabando. Acho que esse mundo não me pertence mais. Tudo parece muito familiar mas ao mesmo tempo estranho, estrangeiro. Nem eu mesma pareço ser real. Eu toco nas coisas ao meu redor, toco na minha pele, vejo fotos, deito na cama e ainda assim parece que em algum momento alguém vai entrar e dizer que tudo isso é mentira, criação de algo ou alguém. Eu não sei como aprender a saber quem eu sou porque tudo que eu assumo pra mim parece errado, parece qualquer coisa menos eu. Eu achava que meu maior medo era o esquecimento; morrer e ser esquecida pelas pessoas que eu tenho afeto, ser só mais um arranjamento de átomos que passou por aqui e segue para se tornar outras milhares de coisas. Não. Cheguei a conclusão que o esquecimento é a melhor coisa que poderia me acontecer. Se eu tivesse a chance de desaparecer como ser humano, sem ninguém lembrar de mim, sem ninguém sofrer por minha causa, eu a agarraria sem pensar 2x. Talvez algumas pessoas estejam quebradas demais pra serem consertadas ou no mínimo ter suas partes coladas de volta. Talvez eu tenha mergulhado fundo demais aqui. Eu tento lembrar quem eu era cinco anos atrás e não consigo lembrar de absolutamente nada. Quem eu era? O quão desapontada estaria a eu de cinco anos atrás com a eu de agora, 2016? Eu queria ter podido proteger aquela garota que ainda conseguia ter sentimentos, que tinha planos, que tinha amigos com quem podia contar. Sinto muito que a eu do passado tenha que ter crescido do jeito que cresceu, que ela tenha se tornado eu, utilizando o esquecimento como válvula de escape. Nada disso parece mais coerente e eu continuo levantando e me alimentando e me deitando novamente como se houvesse um propósito. Os amigos que afastei pro próprio bem deles estão vivendo a vida deles muito bem, e eu fico muito satisfeita com isso. Eu quero que eles sejam felizes, já que eu não posso. Eles não merecem a nuvem negra em cima da minha cabeça contagiando os ambientes, nem minha família; por isso minto. Eu não sei mais ser quem eu sou, e porque eu não sei quem eu sou, eu apenas flutuo na existência enquanto consumo oxigênio. Eu vivi mais um ano sem motivo nenhum, sem serventia alguma. Quantos anos eu vou continuar sendo essa pessoa em estado vegetativo que anda e usa seriados pra se distrair do fato de que só quer morrer? Porque eu? Porque minha mente teve que nascer desse jeito, com esses defeitos? Eu nunca pedi pra ser borderline ou ter depressão. Eu vou estar na mesma situação de agora neste dia no ano que vem? Quantos anos mais essa doença vai me roubar? A maior parte da minha juventude ela já levou. Eu não ligo pro meu sofrimento, eu posso suportar qualquer nível de dor necessário, mas não suporto ver outros doendo-se por minha causa. Por isso o esquecimento. Talvez de um jeito parecido de Eternal Sunshine of a Spotless Mind porém em coletivo. Eu só quero que as pessoas me esqueçam, me deixem desaparecer de maneira indolor das vielas de suas memórias. Que me deixem virar uma história que quase ninguém sabe contar, me deixem virar uma lenda urbana, uma figura, uma entidade; qualquer coisa que seja a coisa que eu nasci para ser.

"Ne cherchez plus mon cœur; des monstres l’ont mangé." 
— Charles Baudelaire, The Flowers of Evil