domingo, 8 de julho de 2012

Pelos céus azuis

Quando eu era criança, eu tinha a certeza de que eu seria bonita e magra quando tivesse, sei lá, 20 anos. Não que eu seja agora, mas pelo menos eu tinha a certeza de que eu chegaria a essa idade e que minha vida mudaria completamente ou pelo menos alguma coisa. Eu sinto falta de sentir isso. De sentir que eu vou morrer com mais de noventa anos, cercada de netos e bisnetos e que eu terei feito algo com a minha vida. Eu não sei nem se vou chegar aos trinta anos. Pode parecer loucura, mas nos últimos anos eu sempre tive essa sensação de que eu não duraria por aqui muito tempo. Por isso eu sempre estou me torturando sobre desperdiçar tempo, desperdiçar vida. 

Eu sempre quis ser tantas coisas. Escritora, psiquiatra, médica da Cruz Vermelha, palestrante, veterinária, pintora, astronauta, cientista. Eu queria dar às pessoas o melhor que eu tinha, numa tentativa de compensar alguma coisa que eu não sabia se tinha feito ou se ainda, algum dia, faria. Eu queria ser feliz. Mas de verdade, não apenas durante cinco segundos. Alguma coisa que eu pudesse chamar de "melhor época da minha vida", algo a que eu pudesse me apegar quando os pensamentos ruins tornassem as noites ainda mais longas e assustadoras. Mas tudo o que eu consigo absorver e reter no meu lobo temporal são pesadelos e fracassos que voltam para me assombrar na primeira oportunidade que aparece. Eu só queria poder ter sido normal, com uma vida normal. Oh Deus, como eu queria ter sido normal. Que nada tivesse acontecido quando eu tinha oito anos. Que eu fosse estúpida, burra e ignorante. Como eu queria a ignorância. Qualquer coisa que me fizesse capaz de lutar pela vida que possuo, pela vida que quero ter.

Eu nunca culpei ninguém pelas escolhas que fiz até hoje. Acho que a gente tem que ser corajoso o suficiente pra admitir o que fizemos, porque — justamente — nós as fizemos. Mesmo que alguém tenha influenciado, foi você que foi lá e escolheu aquela opção, aquele caminho. Eu fiz minha existência. E, em algumas coisas, eu tento mudar e perseguir, porém não sei como. Eu me acomodo — bem vinda de volta, zona de conforto — e me perco cada vez mais do que sempre sonhei ser. Todas as milhares de coisas que desejei ser. No entanto, encontro certo perdão e entendimento se considerar-se que nada bom sai de momentos bons. Assim como Van Gogh, eu transformo minha dor e vida de merda no que chamo de arte. Ele tinha seus quadros e eu tenho esses textos de merda que quase ninguém lê. 

Não sei o que acontecerá comigo nos próximos 5, 10, 20 anos. Talvez eu continue aqui nessa cidade ou vá morar na Nova Zelândia, talvez eu continue escrevendo aqui ou talvez tenha resolvido publicar meus livros. Talvez tudo, talvez nada. Só espero que meu eu do futuro não me odeie. Eu sinto que ele vai, mas espero que não. Espero que meu eu de só-sabe-deus-quando tenha conseguido a felicidade que não pude obter até agora. Que ele tenha conseguido dançar num quarto, tendo apenas um abajur aceso, com alguém que ama ao som de Chet Baker, que ele tenha feito milhares de tatuagens, que ele nunca mais pense em suicídio. Espero que algum dia eu possa compreender que tudo acontece mesmo por uma razão e que eu consiga me convencer que eu não serei desse jeito para sempre, que alguém vai bater com uma pedra na minha cabeça e eu vou finalmente virar uma pessoa que não vai desistir de mim. Uma vez um professor me chamou depois do fim da aula e me perguntou porque eu era tão calada. Antes que eu pudesse pensar em algo para responder, ele citou Jean-Jacques Rosseau dizendo que "Silêncio absoluto leva à tristeza. É a imagem da morte." Nada respondi e saí. Mas nunca esqueci aquilo. E acho que ele foi uma das poucas pessoas que pôde me ver como eu realmente era. Talvez seja como o cometa Halley e algo assim só aconteça daqui há 76 anos. Mas eu espero. Espero enquanto ainda respirar, como sempre esperei. Só preciso descobrir se meu aguardo não é apenas mais uma daquelas perdas de tempo contra as quais eu sempre lutei.

"Everybody's youth is a dream, a form of chemical madness." F. Scott Fitzgerald 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Uma estrada áspera conduz às estrelas.

Você está no meio de uma conversa bem franca com algumas pessoas e sempre aparece aquela sensação de como-eu-sou-mais-maduro-agora-do-que-era-um-ano-atrás. Mas na verdade é tudo um monte de bobagem. Sim, é isso mesmo. Você aí, que pensa que é completamente maduro e hábil a tomar decisões e formar opiniões importantes sobre isso ou aquilo, não é maduro coisíssima nenhuma. Você está apenas a cada ano mais perto da morte, e assim mais conformado com o que a vida lhe dá e lhe traz. De qualquer maneira, eu sinto que eu mudei muito nos últimos três ou quatro anos. Eu olho para trás e não consigo assimilar que eu já fui de tal jeito, porquê eu fazia aquelas coisas e não outras, porquê eu deixei algumas pessoas fazerem certas coisas comigo. Não acho que amadurecer seja a palavra correta, mas acho que cresci. Finalmente, cresci. E continuo crescendo, mesmo ainda sendo baixa. E passo a compreender certas coisas, além de aprender. Cada vez mais acredito que é verdade que todas as nossas células são substituídas completamente a cada sete anos, criando pessoas novas e dando mais algumas chances de você deixar de ser um cretino. 

Eu não acredito em destino. Realmente não. No entanto, eu compreendo algumas coisas relacionadas a ele. Como, por exemplo, pessoas que trilham dois caminhos completamente diferentes mantendo a esperança de se encontrarem numa grande falha temporal que os una novamente. O crescimento me faz ver isso não com tristeza, mas com certa sabedoria de que não há porquê fazer tempestade em copo d'água quando tudo pode ser bem azul e bonito enquanto ainda lhe for permitido ser. Uma hora a gente cansa do drama, cansa de tentar novelizar nossa própria vida e tenta ver tudo no preto e branco. É como em Casablanca: não é porque o Rick amava a Ilsa muito antes do marido dela que ele obrigatoriamente largaria tudo para fugir da Guerra com ela. Venho raciocinando há muito tempo como as pessoas entendem errado essa coisa de amor. Não existe egoísmo nesse sentimento. Sempre achei que ele fosse algo tão importante e imensurável que não se descreve apenas com as-três-palavras. E ao contrário do que os filmes nos ensinam, a gente consegue ser feliz mesmo sem quem nós amamos, mesmo que por limitado tempo. Não se morre, não se esquece, porém não se sai ileso. Todas as noites ainda haverá uma cara estúpida em particular para se pensar em ir ao encontro, e isso deverá bastar por hora.

No final, as pessoas que nós vamos nos tornando são uma peneira que filtra que permanece e quem passa em nossas vidas. Não há arrependimento dos momentos que vivi com aquelas pessoas nem procuro esquecer o que elas foram para mim em determinadas épocas, apenas aceito que elas se foram e não voltarão mais. É quase como a morte — com certa dor que se transforma em lembranças que resgatamos quando tentamos saber quem éramos em alguns períodos. A gente cresce achando que vai acumulando amigos com o passar dos anos, mas na verdade ficamos com cada vez menos. Então parabéns aí, amigão que se acha maduro e adulto: isso tudo é uma merda. Sempre achei que quem muito se afirma maduro não passa apenas de alguém que não sabe quem é. E eu sempre soube quem eu era, mesmo quando fingia para mim mesma que não por meio de milhares de verborragias. Requiro a exceção pelo motivo de não ser tão fácil se armar com cota de malha e espada e partir para a batalha quando é seu próprio monstro que você tem que derrotar. Vamos deixar de ser idiotas e tentar sermos as melhores versões de nós mesmos que podemos ser.


"I will remember the kisses  
our lips raw with love  
and how you gave me  
everything you had  
and how I  
offered you what was left of  me"
                                                      (Charles Bukowski)