segunda-feira, 16 de maio de 2011

Jinx.



Começou a chover. Pode parecer clichê demais, mas eu não me importo. Eu não sentia mais nada. Não por que não estava mais viva, mas sim porque já havia sentido tudo o que alguém poderia sentir. Não doía mais: estava tudo vazio. E vazio dá desespero. Antes eu te sacudia e sacudia e gritava para que pelo amor de Deus você sentisse alguma coisa ou me batesse ou me empurrasse ou qualquer coisa, mas que por favor você parasse de me olhar assim desse jeito, como se me atravessasse e não enxergasse nada em mim. O que diabos você tem aí dentro, seu babaca? Reaja, por favor, não deixe o quase nada virar o nada de uma vez, um quase nada que talvez poderia ser tudo. Para você, para mim. No entanto, você é um robô. Um maldito robô.  Diga algo mesmo que seja um xingamento. Me arranha, me enfrenta, me empurra contra a parede, me puxa. Me toca. Agora tudo virou água suja, numa mistura de chuva e lágrimas completamente indistinguíveis e então eu te imagino rindo da minha cara de idiota aí então eu me lembro que você não consegue rir porque você é um robô-sem-alma-nem-coração-que-não-moveria-nem-um-dedo-mindinho-por-mim. Olha, minha roupa já está toda molhada. Se você estivesse aqui diria que eu iria pegar uma pneumonia ou seria atingida por um raio. Talvez eu queira ser atingida por um raio. Qualquer um deles. O mais bonito deles. Aquele que você odeia. Eu queria ir onde você está, mas eu não sei o caminho. Andei milhas e milhas encharcadas de água e lágrimas e meus cabelos nos olhos me impedindo de olhar para o meu velho novo fracasso. Pare de falar essas coisas idiotas sobre o que não me interessa e seja humano, seja maluco, seja inconseqüente. Seja meu qualquer coisa. Não me chame por esses vocativos que eu detesto, me chame como você me conhece. Se arrisque uma vez  só nessa merda da sua vida se você sente algo. Pelo amor de Deus, não me deixe errar de novo. Eu faço o que você quiser; até deixo de andar sob a chuva e de enfrentar raios, só dê um único sinal. Todas as pessoas da rua me olham, mas ninguém me vê. Eu esperava que você conseguisse isso ou pelo menos tentasse. Elas, as cegas funcionais, devem sentir meu cheiro de bebida e chuva e lágrimas, mas eu não me importo. E se você se importar por causa do seu jeito certinho, que se foda, eu te beijo, te seqüestro se você não quiser. Mentira, eu sou fraca demais pra não te deixar ir. Já passou da meia noite e eu deveria voltar, mas eu estou perdida. Por dentro e por fora. Decida-se, decida-se. Já é tarde, quase tarde demais. Não espere parar de chover.

Música do post: Misery - The Beatles

4 comentários:

  1. que palavras tão bonitas! e a tua avó devia ser uma mulher muito sabia.
    de facto há coisas que com o tempo vão deixar de doer tanto, ou pelo menos isso espero.
    obrigada linda, beijinhos.

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  2. "Eu não sentia mais nada. Não por que não estava mais viva, mas sim porque já havia sentido tudo o que alguém poderia sentir. Não doía mais: estava tudo vazio."

    Pois é.
    Estava tudo vazio até essa chuva chegar e esse tempo frio - como disse Caio - parece nos empurrar pra mais dentro de nós e descobrir o que era dado como morto.
    E que ele não espere parar de chover, senão tudo secará novamente e o sol mostrará um caminho oposto.

    Lindo texto, me senti lendo Caio Fernando (:

    Beijos :*

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  3. Me lembrou o Caio também, pela chuva e tal. Cansei de esperar que o outro não deixasse morrer e que fizesse algo pra salvar o que eu sozinha, não podia. Agora deixo ser, deixo que o vento leve embora. Belo texto flor, como já te disse, tu fazias falta.

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  4. Triste. Sim.
    Belo texto.
    "Pare de falar essas coisas idiotas sobre o que não me interessa e seja humano, seja maluco, seja inconseqüente." Eu espero...

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