domingo, 8 de abril de 2012

Do porquê não te amo.

"(...) Porque não te amo, tenho este corpo para te oferecer; porque te amo fujo e desapareço. E, porque desapareço, não te esqueço, porque essa é a minha forma de te amar - tudo o resto é ainda mais e mais sofrimento."
Não Te Deixarei Morrer, David Crockett - Miguel Sousa Tavares 


Meu peito trabalha na lavoura e carrega o peso mais pesado de todos sempre. Ele se alimenta de uns poucos momentos em que não dói, em que tudo é bem branquinho e claro e que não precisa de explicação. Gostaria que você pudesse olhar dentro de mim com um periscópio e ver se descobre territórios inexplorados onde você ainda não tocou, onde você não viu em carne viva. Vou ali desaparecer e fugir pra ver se numa dessas evasões eu te encontro na tua fuga, que é onde eu finalmente posso te ver novamente, todo coberto com esse  silêncio partilhado que é enorme e impermeável, apesar de não ter um pingo de estranheza ou incômodo. Mas também não vou te dizer que me importo o suficiente pra te amar, por que não te amo. Os anos vão passar e eu vou continuar não te amando e te guardarei numa caixa bem escondida no meu armário e por mais gato selvagem que você seja, vai acabar se acostumando com a clausura. Num desses dias aí quando o tempo parar por alguns poucos minutos e você lembrar de mim e aquela música de Casablanca que você acha chata tocar na sua cabeça, vou estar à espreita pra te assombrar porque nunca tive coragem o suficiente pra usar meus olhos pra ver teus olhos. Quando ligar a TV poderá me ver em rede nacional dizendo a todo mundo que eu não te amo, e quando ligar o rádio ou o computador ou o celular eu vou estar nesses objetos também repetindo e repetindo o quanto eu não te amo. E então você vai acreditar e enfim poderei descansar em paz, sem o peso do teu desapontamento sobre mim. E então você poderá viver em paz, sem o peso do meu fantasma sobre você. A vida, o universo e tudo mais não se movimenta muito agradavelmente ao meu redor, mas tudo mantém seu equilíbrio intenso e diário que apesar de tudo me dói menos do que a ausência do que nunca esteve presente. Meu corpo não cumpre as Leis da Robótica quando não obedece minhas ordens de não virar gelatina ao menor sinal de um impacto iminente com o que deveria permanecer enterrado onde deixei, embora que não me seja mais estranha nenhum descontentamento desde a de continuar viva. Eu não te amo por que eu precisaria de um coração para tal coisa, e você já o tomou de mim há tanto tempo que nem consigo mais lembrar quando. Você agora é um Time Lord e eu sou o Homem de Lata, personagens de histórias que nunca se encontrarão. Pois pelo menos em nos perder do caminho um do outro sempre fomos bons.

Música do post: 9 Crimes - Damien Rice

2 comentários:

  1. Já vi personagens atravessarem histórias e estórias atrás de um coração; principalmente quando são eles os autores de suas próprias histórias..

    Afinal, já disse Florbela Espanca:
    "E se um dia hei de ser pó, cinza e nada, que seja minha noite uma alvorada, que eu saiba me perder para me encontrar"

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  2. Eu não Amo, porque Não, sei na verdade o que é esse bendito amor.
    9 Crimes - Damien Rice > Me faz querer chorar;

    " Black Star - Radiohead"

    Vejo que tens bom gosto.

    Ti sigo.
    Beijo.

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