sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Enquanto a outra vida não chega.


Alguns de seus amigos chamavam de carma. Carma é uma vadia, dizia ela. Já outros sempre a acharam idiota. Particularmente, idiota era seu nome do meio. O fato de estar sempre sozinha não significava que estava infeliz. Ainda conseguia andar pelas ruas e ver beleza nas coisas que todo mundo já esquecera. Manteve um sorriso no rosto enquanto desabava por dentro durante muito tempo e ninguém se importou. Então, porque se importar agora? Continuou sua caminhada diária pelas ruas de sua cidade, uma cidade que não tinha muito a lhe oferecer. Meu deus, pensou, é tudo tão difícil. Tudo bem que não precisava ser fácil demais, porém não precisava ser desse jeito. Ainda podia se lembrar das últimas vezes. De como fora tachada de lunática. De bobalhona. De coitadinha. Ficou sempre para trás em tudo. Todo mundo achava que sabia o que era melhor para ela. Mas não sabiam, dizia em voz alta no banheiro todas as noites. Tudo não passava de monopolização. Sentia como se todos estivessem em cima dela gritando e gritando para ela fazer aquilo, você já está velha diziam, não pode se dar ao luxo de escolher. De esperar. De esperá-lo. Por que não podiam dividir o mesmo chão se estão sob o mesmo céu estrelado? Doía tanto nela que o que desejava seriam só palavras. Não, na verdade não doía. Não era dor. Estava anestesiada pela morfina e tudo o que sentia era o vazio dele que nunca estivera aqui. Ele estava tão preso nas palavras que cada uma delas era ele lhe sorrindo. Cada letra. Cada dedo sujo de tinta de caneta. Cada olhar. Cada borboleta no estômago era ele vivo dentro dela. O vazio vinha quando ela lembrava que eles nunca dariam certo. Por mais que tentassem, por mais que fossem incentivados, eles simplesmente não nasceram para ficar juntos. Talvez fosse um amor tão grande, tão grande, mas tão grande que não cabia só dentro deles. Mal cabia no mundo. Enquanto passava por um restaurante repleto de famílias, pensou que nunca poderia ter algo assim com ele. Quem sabe nunca outra vida, numa outra época. Apegava-se à crença de que algum dia ele seria seu. Só seu, em algum lugar perdido desse mundo. Era bonito pensar em estar junto com ele. Leu uma vez que a melhor forma de esquecer um amor é transformá-lo em literatura. Ele era mais; era tudo o que suas paredes, sua boca não mais tocada pela dele ainda conseguia ser. Era o único jeito que encontrou de mantê-lo consigo: dentro das palavras, que um dia ele conseguiria enxergar como todo o amor do mundo.

6 comentários:

  1. Acho que essa ehab me fez bem, acho que me 'purifiquei' o suficiente. Em relação ao seu texto eu adorei cada palavra. Senti as mesmas sensações e relembrei sensações que há tempos não sinto. Como é bom sonhar né? O duro é acordar de um sonho bom. As palavras são a melhor fuga, a melhor prova e a melhor demonstração de afeto e sentimentos. Amei o texto :*

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  2. Nossa mais que post mais lindo ,me emocionei *o*
    uma gracinha seu blog , como sempre :*

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  3. Inteiramente profundo e reflexivo esse texto, fiquei um tempo pensando antes de vir comentar, pois é bem assim que acontece muitas vezes, não sei se na vida de muita gente, mas de algumas pessoas... transformar um amor em literatura talvez seja a forma de lhe dar um final feliz que não existe na realidade.
    Gostei bastante.

    Bjs =)

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  4. Ual. Eu não imaginaria que o texto tomara o rumo que tomou. Mas foi um ótimo rumo, por sinal. Confesso que ao ler a parte em que fala que a melhor maneira de esquecer um amor é transformá-lo em literatura, senti um pequeno frio na barriga. Não sei, seu texto me tocou intimamente.
    Por fim, despeço-me com um beijo. @pequenatiss

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  5. Amar é uma eterna literatura, na verdade. Esquecer já é outros quinhentos.

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