sábado, 27 de novembro de 2010

Temporal.


A música continuava a tocar. Janis Joplin, talvez. Enquanto seus braços ainda não fossem capazes de tocá-lo e a distância aumentasse cada vez mais – não fisicamente, sentimentalmente se é que me entende – ela sentia o buraco se abrindo à sua frente e levando-o para longe, numa outra zona, numa outra região, numa outra vida. Uma vida na qual ela não estaria mais. Saiu do devaneio com o barulho das buzinas dos carros na rua e como se estivesse nesses filmes antigos americanos que costumava ver, sua mão encostou na dele, ao seu lado. Ele deu aquele sorriso meio torto, meio menino e perguntou se ela achava que iria chover.

- Acho que sim – disse ela, olhando dubiamente o céu de nuvens.
- Disseram no jornal, hoje de manhã, que ia cair o maior temporal.
- Sempre quis estar no meio de um temporal.
- Quer tomar banho de chuva comigo?
- Quero sim, vagalume.
- Do que você me chamou? – os olhos dele voltaram-se para ela novamente.
- Vagalume. Aquele bichinho que brilha no escuro. Você é a luz dos meus dias escuros.

As palavras saíram tão rápido de sua boca que levou alguns segundos para ela se dar conta do que havia dito. Olhou para o chão e novamente olhou para ele. Sentiu tudo dentro de seu estômago se revirar como se estivesse dentro de um liquidificador. Não esperava respostas, nem igualdade. Depois do que viver, já não esperava mais nada.

- Você também é a minha luz, Isa. Minha melhor amiga.

Ela sabia que não tinha o mínimo de direito de reclamar de qualquer coisa, você sabe, aquela regra clara: não tentou, não pode lamentar. Tentou dar um sorriso, pondo uma mecha dos cabelos que sempre achou lisos demais atrás da orelha, parada em frente a uma vitrine de uma loja que revelava foto – muitos porta retratos, muita gente feliz demais, que ódio delas – eu gostaria de ter uma família bonita assim, pensou. Com ele, por ele. E sem ele não há nada.
As primeiras gotas de água acertaram sua cabeça ferozmente e depois suas roupas, suas sandálias, sua alma. Não havia mais ninguém na rua. Olhou para ele que lhe sorria e resolveu sorrir também. Por tudo o que foi e o que quis ser. Ele corria e corria pisando nas poças que se formaram e desafiando os trovões enquanto as lágrimas que não podiam ser vistas rolaram pelo seu rosto. Vem, ele gritava. E sorriu novamente.  Sorriu porque já não agüentava mais sangrar por dentro e essa era a única coisa que lhe restava.
Tentou dizer a ele tudo o que sentia. Dizer que o amava e que largaria tudo, toda essa droga por ele e só por ele. Que ele era sua família, seu porto seguro. Mas não disse. Pediu a Deus então que Ele lavasse-o de seus cabelos, de suas roupas, de suas sandálias, de seu coração. Mas o temporal parecia fraco demais para isto.

Escrito em 23/11/10.

 Música do post: Sal De Mi Piel - Belinda

8 comentários:

  1. gosto do que consigo sentir com seus posts e adorei a parte do vagalume! linda. beijos

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  2. Que lindo. Me senti tão dentro da história, que qndo acabou pensei. "ãn, já?". Daria um belo liro *-*.
    Ótimo conto. E sei bem como é o sentimento q vc passou :*

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  3. Simplicidades como banhos de chuva fazem a vida tão mais bela e melhor.
    Meu beijo!!!

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  4. Gostei daqui... Vou seguir! Passa pra conhecer o meu, depois! :)
    Beijos

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  5. ººº
    Não gosto mesmo de temporal..., rs

    Uma frase do seu sub-titulo ficou "Mulheres bem comportadas raramente fazem história.

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  6. Fantastic blog header and I like the lightning, and I agree that one should read more books.

    Dr. Russ Murray/Russ:)

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