domingo, 26 de março de 2017

The Depression Diaries, n°58 - Carta fechada

Na maior parte do tempo é difícil pra mim saber exatamente onde eu estou e se eu realmente existo. Às vezes eu consigo passar um bom tempo centrada, sem muitos episódios de raiva ou ódio de mim mesma. Eu procuro falar o suficiente com meus amigos; mando mensagens e mesmo que às vezes não respondam, já é algo pra mim. As conversas que tenho me fazem sentir de carne e osso, e quase por um momento eu esqueço que no fim eu vou esquecer da maior parte disso tudo. Eu vou religiosamente ao psiquiatra e ao psicólogo, dois engodos que eu suporto por causa de minha mãe. Eu continuo não querendo viver, mas ninguém me dá ouvidos. Enquanto não aprendem a arte de deixar ir, eu fico remoendo toda minha trajetória até aqui, tudo o que meu transtorno destruiu, tudo o que ele sem pudor nenhum me tirou. Minha criação se baseou em atacar pra me defender; queria eu não ter sido assim, todo dia eu me arrependendo por algo que não é minha culpa. Como alguém ataca a si mesmo e sobrevive? Alguém sempre tem que pagar um preço, nunca é o perpetrador. Foi difícil aceitar que meu cérebro e eu nunca vamos estar em bons termos, afinal ele é um amante que me manda sinais de duplo sentido e eu me canso de ter que interpretar. Eu não pedi pra ser assim. Eu nunca quis ser assim, mas quem me trouxe a esse mundo cinza, que às vezes se colore quando as pessoas certas sorriem, nunca me viram como uma peça do tabuleiro; eles não viram quando o embate deles me empurrou pra fora da plataforma de xadrez. O rei e a rainha se degladiaram; eu fui pisoteada e nem percebi. Eles fizeram a eu que (acho que) existe hoje, e ao meu ver perdão nunca foi uma opção. O quão diferente eu poderia estar agora se eles não tivessem quebrado algo dentro de mim que não tem conserto? Eu me pergunto isso quase todos os dias. Tenho quase certeza de que não vou estar aqui ano que vem, mas sou grata por todos os meus amigos estarem bem, por todos os momentos (até os menores que não lembram) que eles partilharam comigo. Eles ainda são bonitos na minha memória, e perdão se eu nao puder estar em alguns próximos. Eu estou tentando muito não me odiar em tamanha grande escala, mas eu vivo com o inimigo. Bem, isso era pra ser um texto que pessoas seletas entenderiam, então deixa eu dizer: eu não te fiz, você que se construiu na pessoa excepcional que hoje és. Eu amo e sempre vou amar sua cabeça maluca, sou mais do que grata de receber seu amor; eu te escolheria em qualquer mundo. Sinto muito se o banheiro chegar pra nós algum momento não muito longe; você foi como  o sol pra mim por muitos anos e não há palavras suficientes pra minha gratidão. Você não me deve nada, lembre disso; enquanto você estiver feliz e saudável eu vou estar contente, e obrigada por ter tentado lutar por mim. Nossa afinidade foi o que nos uniu e não houve um dia sequer no qual eu deixei de pensar em você como minha amiga mesmo com todo nosso afastamento natural; sempre esteve no meu coração no lado mais florido. Meu amor não tem data de validade, não tem barreiras nem condições. Eu não perdôo, porém amo. Meu desejo é que toda a raiva dentro de mim se tornasse um combustível pra alimentar a felicidade de todos aqueles no meu coração, por que deus, só assim ela teria ela serventia além de me fazer abrir buracos em paredes. Eu continuo existindo num bolsão atemporal assistindo o mundo morrer enquanto eu ainda continuo viva, quase como por castigo. Seria bom poder lembrar das atrocidades que cometi e me transformaram em Atlas.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

The Depression Diaries, nº 57 - Um breve olhar na minha existência

Aqui vai um poema sobre o que andou e anda acontecendo na minha vida:

eu não tenho mais ninguém pra conversar
nem praticamente amigos
meu pai morreu e eu não derramei 1 lágrima
eu continuo sendo um fardo pros outros
não tenho o mínimo conceito de pessoalidade
a maior parte do tempo eu nem sei onde eu tô
eu odeio mudanças
e vou fazer uma mudança
literalmente
minha casa não vai ser mais minha casa
e vou ter outra casa que vai ser minha casa
e eu só penso o tempo inteiro que eu preciso morrer
então eu assisto seriados e filmes pra me distrair desse pensamento
e não muito mais do que isso
eu tenho 23 anos e ano que vem vou ter 24 e depois 25 e em seguida 26
mas não vou ter tido vida nenhuma
eu estou em estado vegetativo e quase ninguém percebe
ninguém luta por mim o suficiente
ninguém vai além de um esforço pequeno
acho que eu acabei ficando assustadora demais
então eu que me foda
enquanto isso só gasto tempo com coisa inútel
como eu
que continua se fodendo pelos outros, pelos meus transtornos,
pelas coisas que assisto, por mim mesma por não saber
quem eu sou
o que eu estou fazendo aqui
do que eu gosto e não gosto
tal como nascer de novo
talvez eu gostaria
mas é só um tiro no escuro
e eu não me importo o suficiente pra tentar.

domingo, 14 de agosto de 2016

The Depression Diaries, nº 56 - Depois de mim, o dilúvio

Eu sinto que meu tempo tá acabando. Acho que esse mundo não me pertence mais. Tudo parece muito familiar mas ao mesmo tempo estranho, estrangeiro. Nem eu mesma pareço ser real. Eu toco nas coisas ao meu redor, toco na minha pele, vejo fotos, deito na cama e ainda assim parece que em algum momento alguém vai entrar e dizer que tudo isso é mentira, criação de algo ou alguém. Eu não sei como aprender a saber quem eu sou porque tudo que eu assumo pra mim parece errado, parece qualquer coisa menos eu. Eu achava que meu maior medo era o esquecimento; morrer e ser esquecida pelas pessoas que eu tenho afeto, ser só mais um arranjamento de átomos que passou por aqui e segue para se tornar outras milhares de coisas. Não. Cheguei a conclusão que o esquecimento é a melhor coisa que poderia me acontecer. Se eu tivesse a chance de desaparecer como ser humano, sem ninguém lembrar de mim, sem ninguém sofrer por minha causa, eu a agarraria sem pensar 2x. Talvez algumas pessoas estejam quebradas demais pra serem consertadas ou no mínimo ter suas partes coladas de volta. Talvez eu tenha mergulhado fundo demais aqui. Eu tento lembrar quem eu era cinco anos atrás e não consigo lembrar de absolutamente nada. Quem eu era? O quão desapontada estaria a eu de cinco anos atrás com a eu de agora, 2016? Eu queria ter podido proteger aquela garota que ainda conseguia ter sentimentos, que tinha planos, que tinha amigos com quem podia contar. Sinto muito que a eu do passado tenha que ter crescido do jeito que cresceu, que ela tenha se tornado eu, utilizando o esquecimento como válvula de escape. Nada disso parece mais coerente e eu continuo levantando e me alimentando e me deitando novamente como se houvesse um propósito. Os amigos que afastei pro próprio bem deles estão vivendo a vida deles muito bem, e eu fico muito satisfeita com isso. Eu quero que eles sejam felizes, já que eu não posso. Eles não merecem a nuvem negra em cima da minha cabeça contagiando os ambientes, nem minha família; por isso minto. Eu não sei mais ser quem eu sou, e porque eu não sei quem eu sou, eu apenas flutuo na existência enquanto consumo oxigênio. Eu vivi mais um ano sem motivo nenhum, sem serventia alguma. Quantos anos eu vou continuar sendo essa pessoa em estado vegetativo que anda e usa seriados pra se distrair do fato de que só quer morrer? Porque eu? Porque minha mente teve que nascer desse jeito, com esses defeitos? Eu nunca pedi pra ser borderline ou ter depressão. Eu vou estar na mesma situação de agora neste dia no ano que vem? Quantos anos mais essa doença vai me roubar? A maior parte da minha juventude ela já levou. Eu não ligo pro meu sofrimento, eu posso suportar qualquer nível de dor necessário, mas não suporto ver outros doendo-se por minha causa. Por isso o esquecimento. Talvez de um jeito parecido de Eternal Sunshine of a Spotless Mind porém em coletivo. Eu só quero que as pessoas me esqueçam, me deixem desaparecer de maneira indolor das vielas de suas memórias. Que me deixem virar uma história que quase ninguém sabe contar, me deixem virar uma lenda urbana, uma figura, uma entidade; qualquer coisa que seja a coisa que eu nasci para ser.

"Ne cherchez plus mon cœur; des monstres l’ont mangé." 
— Charles Baudelaire, The Flowers of Evil

domingo, 26 de junho de 2016

The Depression Diaries, nº 55 - Noises

Eu sei que disse que não ia mais escrever aqui sobre minhas doenças etc, mas eu faço a porra que eu quiser. 


Então, quando eu pensei que eu tinha atingido o fundo do poço, descobri que ele tinha um porão e nesse porão havia 15 toneladas de chorume que é aonde eu me encontro no momento. Eu não me comunico mais com meus amigos, não tenho mais faculdade, não tenho motivação pra nada (não é novidade mas foda-se), não saio mais de casa e provavelmente meu pior pesadelo vai se tornar realidade (ficar branca, yikes, te amo pele preta) pois não tomo sol. Eu me afastei de todo mundo que eu podia, tentei arranjar qualquer coisa pra me distrair (mostly dramas coreanos), eu ainda vou ao psiquiatra e depois volto pra casa pra ser miserável em paz. Ah, também o fato que eu meio que já sabia, mas agora é oficial™ de que tenho transtorno de personalidade borderline. Talvez seja por isso que ninguém nunca me suportou por muito tempo. E também seja culpada de eu ter batido em muita gente na escola. Eu não vou conseguir me livrar disso, literalmente até eu morrer eu vou ter esse transtorno. E me dói e me deixa com vergonha o fato de que eu sempre vou precisar das pessoas mais do que elas precisam de mim. Eu queria ser independente, e não ficar aterrorizada quando pensar que algum dia vou ter que seguir a vida sozinha. A minha existência aqui não faz sentido, é como um bug no software de um computador. Eu penso em morrer desde os 14 anos e tentei morrer aos 14 anos e agora eu me vejo aqui com 22 anos e sinto como se eu fosse Alexander Hartdegen (de "A Máquina do Tempo") e tivesse parado numa época distante, onde a civilização atual é completamente diferente de mim. Você pensa "talvez seja hoje que eu terei coragem de finalmente fazer isso" e pra mim tem sido assim todos os meus dias nesse mundo onde eu nunca pensei que estaria. É quase como se tivessem me jogado para os lobos, certos de que o fato de eu ser um leão me protegeria, mas eu só me protejo das coisas erradas. Todas as minhas amizades parecem indo tão bem que fico satisfeita por elas e triste por mim. Eu que sinto uma saudade do caralho delas, mas é melhor que eu fique sozinha do que causar problemas. E claro que eu lembro que mês que vem é aniversário de. Minha mente poderia ser boazinha comigo só uma vez e me deixar lembrar qual foi a última vez que eu abracei meus amigos, eu só queria essa lembrança dos ultimos 6 meses. Estou criando teorias que pretendo escrever em artigos sobre como o isolamento social não é uma coisa tão ruim assim, como boa pretensiosa que sou. Meu gato e cachorro estão bem, minha mãe também e família em geral, que eu agora tenho tendência a passar vergonha na frente deles porque já não basta ser a não-hetero dessa linhagem. Se algum dia meus pais lerem alguma parte disso, saibam que eu sinto muito por todas as minhas crises e ataques de raiva e remédios que fiz vocês comprarem porque eu juro que eu queria ser como as outras pessoas, mas tem tanto barulho na minha cabeça... o barulho nunca cessa, e quase sempre eu não consigo respirar porém continuo viva, despite everything. *gestures vaguely*

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Para: Jaciara

Há tantos anos dos quais eu não consigo me lembrar de nada além das coisas ruins que nos aconteceram, Jaciara. Eu comecei a reconhecer os nossos anos que se passavam através de todas as desgraças que nos atingiram. Sinto muito que eu não consegui ser mais forte pela gente. Sinto muito que eu não consegui proteger você nesse mundo. Me dói saber que não há ninguém pra escrever esse texto pra você além de você mesma. Você passou por tanta coisa e sobreviveu, mas a cada dia está mais dificil de continuar nesse rumo. Você vai me perdoar se eu finalmente desistir de nós? Eu espero que sim. Às vezes eu acho que você não existe de verdade, que somos apenas parte de uma simulação holográfica com o intuito de observar a decadência e fragilidade humana. Eu sinto muito que você não tem nenhuma motivação pra continuar vivendo. Sinto muito que você perdeu a garota que você era antes de ficar doente, que você não lembra mais quem é ou quem gostaria de ser. Sua dor é minha dor, e ninguém nunca vai te compreender tão bem quanto eu. Nós só temos nós mesmas pra se apoiar, você sabe que não queremos ser um peso pra ninguém. Eu sinto muito que seu futuro virou pó porque você não conseguia sair de casa. Sinto muito que você tem que cortar sua própria pele pra evitar fazer algo pior. Sinto muito que você afastou quase todos os seus amigos pra evitar que eles vejam seu sofrimento e, por tabela, sofram também. Eu gostaria de lembrar como você era, lá antes da doença, mas minha memória só piora a cada dia. No entanto, sei que algum dia nós já fomos melhores do que somos hoje. Nós eramos cheia de esperança e ambições, e por um tempo isso foi a melhor coisa que nos aconteceu. Jaciara, eu sinto muito que eu tentei nos matar duas vezes. Não foi por egoísmo, eu juro; Eu só queria conseguir um fechamento, uma conclusão pra tudo isso que a gente tem vivido. Eu queria poder voltar no tempo e te dizer pra não ficar doente, pra ser mais forte, pra lutar por nós. Eu te diria tudo que você já perdeu, que você já perdeu tudo, então você não se entregaria tão facilmente a essas doenças. Talvez a eu que vivia naquele momento tivesse mais disposição de lutar. Lutar por nós, pois ninguém lutou por nós, por mim, por você, Jaciara. É tão fácil se acostumar com o meu empurrão pra fora da minha vida que lutar contra se torna meio imbecil de se fazer. Sinto muito que eu cheguei nesse nível tão alto de ódio por você, Jaciara. Às vezes eu digo a você, a mim mesma, que se eu me odiar bastante vai ser mais fácil quando eu resolver pôr fim em nós. Eu espero que um dia você possa me perdoar por tudo que te fiz, espero que você não se olhe no espelho e tenha vontade de quebrá-lo para não ver seu reflexo. Jaciara, eu espero que um dia você não odeie tanto viver nesse mundo e se sinta uma alien não importa onde estiver, como se estivesse no universo errado. Principalmente eu espero que me perdoe pelas decisões que eu fizer por nós.